Uma reflexão contemporânea por Lulu Peters
Há algo de fascinante na forma como buscamos experiências gastronômicas hoje em dia. Como se, ao saborear um prato, pudéssemos tocar o sublime, encontrar o significado da vida, ou talvez, nos transportar para um universo de sensações perfeitas. E não é difícil ver que, nas entrelinhas dessa busca, o conceito de “experiência” se entrelaça com a palavra “perfeição”, da mesma forma que aprendemos, erroneamente, a confundir “prazer” com “felicidade”.
Não à toa, essa o sucesso de tal caçada parece cada vez mais raro. Basta um passeio pelas avaliações do Google, por exemplo, para que seja revelada uma verdade simples: as expectativas não estão sendo correspondidas. E os clientes, quando insatisfeitos, não hesitam em externar suas frustrações. Pelo contrário. Estudos já apontaram que as pessoas tendem a usar a internet mais para reclamar do que para elogiar, o que já motivou outros estudos que investigam o impacto dessas reclamações na relação de fidelidade entre produtos e clientes, como este aqui.
A gastronomia, além de ser um prazer sensorial, é também um campo carregado de subjetividades. O que agrada a uns, repele a outros, e a experiência, em si, acaba sendo um reflexo da nossa expectativa frente ao serviço e à qualidade que nos é oferecida. Mas há algo que tem se tornado cada vez mais evidente: a pressão por um serviço impecável, um ambiente perfeito e pratos que superem o imaginário de cada cliente está criando um abismo entre a busca e a satisfação.
Olhemos, por exemplo, os relatos de clientes sobre o restaurante Nino Cucina. Um restaurante apreciado em São Paulo, e que muitos fãs esperavam com ansiedade inaugurar por aqui. Um lugar que promete uma experiência sofisticada, com influências italianas de peso, além de carregar uma “etiqueta”, uma marca, pelo sucesso e popularidade do Chef Rodolfo de Santis.
Muitos são os elogios ao sabor dos pratos e à apresentação, mas ao mesmo tempo, não são raros os comentários que apontam falhas no atendimento, uma constante da realidade brasiliense. O que muitos esperam ao entrar no Nino é, não só uma refeição, mas uma experiência imersiva que, por vezes, não é entregue da maneira que imaginam. O que acontece aqui, me parece, é uma dissonância entre o que o cliente idealiza e o que é, de fato, servido.
Em uma avaliação recente, um cliente afirmou que “o prato estava gostoso, mas o serviço demorou demais e o ambiente estava lotado”. Esta reclamação nos mostra como a busca por um “momento perfeito” na gastronomia muitas vezes se esbarra na realidade: uma grande casa de sucesso tem sua lotação, o tempo de espera e, claro, o desafio de manter um padrão de atendimento eficiente. Muitos fazem questão, atualmente, de registrar que estão em “soft opening”, expressão que demonstra que a casa abriu recentemente e ainda está avaliando falhas e gargalos.
Outro exemplo que reflete essa frustração desmedida é o restaurante Modesto Pretensiosamente, um dos meus favoritos, tanto pelo conceito “high-low”, quanto pela execução. Comida de alto nível, numa ambiente mais despretensioso. Mais foco em sabor, menos em detalhes e frescuras.
Para alguns, a proposta é instigante, mas para outros, parece mais uma promessa não cumprida. Entre as queixas mais recorrentes, e que me parecem estapafúrdia, estão a inconsistência dos pratos e o preço elevado. Preço elevado em uma economia de preços elevados. Alegações negativas ainda são raras, mas as existentes focam na ideia de que os pratos não corresponderiam, de fato, à expectativa criada pela proposta do local. Uma avaliação no Google dizia, por exemplo: “a comida tem potencial, mas foi mal executada, e o custo não justifica”. O custo, no caso, de um farto prato de Spaghtti à la Carbonara, feito com ingredientes onerosos, como um bom queijo grana padano, por R$71,00.
Como último exemplo, temos o Le Birosque, um restaurante tradicional da cidade, que ao longo dos anos construiu uma legião de fãs que, independente do sucesso financeiro pessoal, frequentavam o espaço da Quituart, um galpão de gastronomia.
Até mesmo este local de explícita pegada familiar, onde o charme está justamente na incompatibilidade da falta de sofisticação comparada com a excelência da comida, tem enfrentado críticas pesadas, especialmente em relação ao tempo de espera e à qualidade do atendimento. Para muitos clientes, o que deveria ser uma experiência prazerosa acaba se tornando um exercício de paciência, até porque esta não é mais praticada em face da aceleração dos processos de produção e serviço.
Uma avaliação recente dizia: “Comida boa, mas o atendimento é um caos. Ficar esperando tanto tempo não vale a pena”. O que se percebe, em casos como esses é que a expectativa de que um restaurante tradicional e consagrado tenha um serviço de fast-food ou esteja sempre vazio para receber o cliente, se confronta com a realidade de um lugar, que, muitas vezes, precisa estar sempre cheio para sobreviver em um mercado tão saturado, oneroso e repleto de obstáculos, como é o mercado gastronômico brasiliense.
O que essas avaliações revelam é uma tendência crescente de infelicidade, mesmo em lugares que possuem, de fato, qualidade. Elas nos mostram que a insatisfação não nasce necessariamente da falta de um bom prato ou de uma boa execução, mas da desconexão entre o que o cliente espera e o que é entregue.
Até entendo que, quando nos aventuramos a pagar mais por uma experiência gastronômica, carregamos expectativas enormes, que, por vezes, são quase impossíveis de serem atendidas. Mas vemos que essa frustração não é incomum mesmo em restaurantes com uma proposta mais arrojada e menos sofisticada, de boteco até. O cliente se sente no direito de exigir não apenas boa comida, mas uma experiência única, e quando isso não acontece, a decepção é grande. Na verdade, a decepção tem extrapolado o cenário e parece adentrar a seara emocional. Estaríamos trocando a terapia pelo restaurante?
Enfim, a experiência gastronômica, ao final, é algo mutável, pessoal e, muitas vezes, efêmera. Devemos relembrar que prazer deve ser esperado, felicidade completa, não. O que nos resta é tentar encontrar a beleza no imperfeito e, talvez, aprender a apreciar o momento presente, antes que ele se esvaia em uma crítica impiedosa nas redes sociais. Afinal, a busca pela perfeição, seja em um prato ou em um serviço, está fadada ao fracasso, porque, como qualquer experiência humana, a verdadeira magia reside no imprevisto e no erro.