Essa coluna não se trata de um julgamento a nenhuma casa ou Chef que tenha investido, recentemente ou não, numa pegada mais descontraída, à qual todos têm se referido como “boteco raiz”, mas uma tentativa de entender o fenômeno que não está acontecendo no formato franquia e, sim, em casas autorais.

Quem está na gastronomia há um tempo já viu tendências menos nobres, como franquias de frozen yogurt e paleta mexicana, além de outras “ondas” mais válidas, que refletiram movimentos muito imporantes, como cerveja artesanal, vinho nacional e produtos locais.

Mas, em Brasília, temos um fenômenos recente que eu não sei se partiu dos chefs ou do público ou mesmo de influenciadores que resolveram resgatar parâmetros mais tradicionais de boa comida: o boteco raiz.

Ironicamente, a obsessão com a pegada de ‘boteco’ começou dentro da comida japonesa, quando os brasilienses descobriram os izakayas (bar de saquê) no bairro da Liberdade em São Paulo e era possível ver chefs renomados daqui fazendo a maior propaganda sobre os cantinhos bem simples e despretensiosos de lá.

Izakaya Sakeyo: o boteco japonês

Naquela época, eu já senti que tinha algo estranho, pois quando fui em um dos Izakayas indicados, achei absurdamente caro. Um ‘boteco’ japonês onde a dose mais barata de saquê era 50,00?? Era um lugar mais caro que nosso Izakaya local, o Sakeyo, que eu adoro, de coração, mas ainda não consigo frequentar como um barzinho.

Agora, a inspiração vem dos bares de “paizão”, com um pouquinho de Goiás e Minas Gerais nas combinações de quitutes como torresmo de barriga, disco de carne e cachaça, mas ainda com um selo “gourmet” do tipo ‘limão galego cultivado por produtores familiares’ ou ‘carne preparada no sous vide por 2 mil horas’, etc.

Essa matemática poderia até me escapar como apenas um anseio do momento, por uma vida mais simples, com menos pompa e mais tempo, não fosse este cálculo manter os aluguéis do Plano Piloto, o reajuste de IPTU, a chuva e aumento de impostos, a dificuldade de treinamento e manutenção de mão de obra, enfim, todos os velhos problemas que tendem a encarecer os custos dos empreendimentos gastronômicos. Se esses obstáculos continuam firmes e fortes, é claro que o torresmo vai ter preço de steak tartare para fechar a conta.

Estou exagerando na comparação, é claro, mas tô vendo muito PF por mais de 50,00. Muitos mesmo! E estamos falando de carne cozida, arroz, couve, ensopado, enfim, aquela comidinha que seria realmente de boteco, muito bem preparada, mas cujo valor gastronômico sozinho não aparece – PRA MIM – como justificativa para o preço.

Tudo bem que esses novos botecos pelo menos declaram seu compromisso com qualidade, mas estamos falando de preços que não são muito mais baixos (em vários casos não são e ponto final) do que os de casas como Ticiana Werner, Le Birosque ou Bottega Mia, sabe? E aí eu me pergunto: dá para ser ‘raiz’ dentro do Plano Piloto?

Executivo Bottega Mia: 49,00

A Confraria do Padim, até hoje, foi dos únicos a abrir com essa proposta antes da moda, fora do plano e que conseguiu levar para Ceilândia a galera do Plano. Algo raríssimo de ser feito, já que até hamburguerias premiadas e sensacionais de Taguatinga penam para levar o público de “fora” pra lá.

Enfim, eu torço por todos, torço por Brasília, por melhores fornecedores, por comida boa e acessível, de verdade. Mas tem que haver algo por trás dessa transformação. Bitaca da Norte apareceu, Zé Torresmo apareceu, mas aí o Loca virou Casa Mar, o Conca virou Bilisco e o Le Parisien já fechou para virar Estufa Botequim e a gente tem que discutir se estamos falando de amor ao boteco mesmo ou só de sobrevivência.

Serviço

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