O Fuá de Seu Estrelo pode ser considerado o primeiro Patrimônio Imaterial genuinamente brasiliense. A proposta que sugere a entrega do título ao tradicional grupo será votada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (CONDEPAC-DF).  A reunião, aberta ao público, acontecerá na próxima terça-feira, 12/03, a partir das 10h, na Biblioteca Nacional, sede da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF).

 A proposta foi feita em 2021 pelos alunos do Centro Tradicional de Invenção Cultural, a escola popular do Grupo Seu Estrelo e pelos próprios integrantes dessa manifestação cultural. Artistas locais, mestres e mestras da cultura popular de Brasília e do Brasil, além de fazedores de políticas culturais do DF e de estudiosos como o historiador Luiz Antônio Simas, a líder religiosa Mãe Baiana de Oyá e o mestre popular Manoelzinho Salustiano, apoiaram a iniciativa. 

Reconhecimento e valorização

Para Tico Magalhães, capitão e fundador do grupo, “tornar a brincadeira de Seu Estrelo Patrimônio Imaterial de Brasília é uma ousadia da cidade e da SECEC-DF, uma revolução, assim como foi ousada a construção dessa cidade e seu reconhecimento como Patrimônio da Humanidade (com apenas 27 anos)”.  

Ainda segundo o artista, uma vez consolidado o título, importantes desdobramentos virão a  longo prazo. “De uma forma mais profunda, a conquista do registro abre espaço para mostrar que a tradição está tão ligada ao futuro quanto ao passado, o que estimula e incentiva a criação de novas formas de brincadeiras e manifestações que nos liguem mais profundamente ao nosso lugar, descolonizando e potencializando a nossa identidade cultural”, complementa Tico.

Segundo Rodrigo Ramassote, antropólogo, técnico do IPHAN e membro do Conselho Consultivo da Supac, a conquista do título de Patrimônio Cultural do DF expressa o reconhecimento e a valorização de determinado bem cultural como relevante para a identidade, memória e cultura local. 

“Caso o Conselho Consultivo da SUPAC se manifeste favoravelmente ao registro do Fuá do Seu Estrelo como Patrimônio Imaterial do DF, instaura-se um compromisso entre o Estado e o bem cultural no sentido de garantir as suas condições ambientais, econômicas e socioculturais de existência. Assim, caberá ao Estado conduzir e executar ações de apoio e fomento que assegurem a continuidade deste bem, tendo em vista sua relevância para a identidade e cultura do Distrito Federal”, explica Rodrigo.  

Em 2024, o Fuá de Seu Estrelo completa 20 anos, o que significa um terço do tempo da própria cidade. Em comparação com outros lugares, muitos dos patrimônios imateriais não têm essa porcentagem em relação ao tempo de existência do próprio lugar em que brincam.

Manoelzinho Salustiano, Mestre da cultura popular e doutor honoris causa da Universidade de Pernambuco (UPE), importante referência na construção da brincadeira de Seu Estrelo, acredita que o título como forma de reconhecimento, trará ainda mais potência ao grupo. 

“Quando falo da cultura de Brasília eu sempre falo do Samba Pisado de Seu Estrelo. Isso é uma criação genuína. Podem até questionar o fato de ser um grupo com apenas 20 anos, mas é preciso entender que Brasília é uma cidade muito jovem, com 63 anos. Seu Estrelo tem um terço da idade da capital do país. O Samba Pisado é uma cultura pura que só existe em Brasília, não existe em outro lugar do Brasil, nem do mundo, é um patrimônio vivo da cidade. Eu espero que isso seja reconhecido porque é no reconhecimento que a gente se fortalece e mantém viva a cultura de terreiro, a cultura do Samba Pisado.”

O Fuá de Seu Estrelo

Com uma mitologia própria, um samba singular, dentro de uma escola popular, o Fuá de Seu Estrelo é uma moderna tradição que representa o real e o imaginário do Cerrado e do Distrito Federal por meio de suas apresentações e seus festejos populares. Uma tradição que tem como base o Mito do Calango Voador e outras histórias do Cerrado, escrito por Tico Magalhães. A brincadeira tem como seu espaço principal o Terreiro do Centro Tradicional de Invenção Cultural (sede do grupo Seu Estrelo) no Setor de Embaixada, na 813 Sul. O brinquedo tem suas raízes nas tradições populares. 

Na feitura de seus trabalhos o Fuá de Seu Estrelo conseguiu juntar a invenção popular com a força da invenção de Brasília, oferecendo à cidade um identificador cultural, o alargamento de sua geografia pela fantasia e, ao Brasil, um novo samba, uma nova forma de fazer teatro, novas festas populares, uma inventiva escola de cultura tradicional e um moderno retrato popular de sua alma cultural. 

Em 2023, o grupo lançou a 2ª edição de “O Mito do Calango Voador e Outras Histórias do Cerrado”, cujo prefácio foi escrito por Luiz Antonio Simas. Nas palavras do professor, “o necessário registro do Fuá de Seu Estrelo como um bem imaterial da cultura de Brasília e do Cerrado encerra muito mais que uma iniciativa de salvaguarda do patrimônio. Ele afirma que, diante de um Brasil projetado como estado-nação a partir do colonialismo e da colonialidade, pulsam as brasilidades como elementos de construção de sentidos inventivos de mundo”.

A brincadeira do Fuá do Seu Estrelo faz parte do conteúdo programático do Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília (UnB), há mais de 10 anos. Por sua ligação com Brasília e o Cerrado, virou uma referência cultural e está na vanguarda de um novo olhar sobre o que é a tradição. Uma sabença inovadora e genuinamente brasiliense e brasileira, de indiscutível valor patrimonial para o Brasil. 

“É preciso e urgente preservar as culturas que aqui existiam, como também as culturas que aqui chegaram trazidas por candangos e candangas. Mas também se faz necessário deixar a cidade criar e experimentar suas próprias tradições. É pela cultura popular e suas criações que podemos experimentar de forma inventiva a nossa cidade, transformando nosso lugar pelo encanto e pela coletividade. O Fuá de Seu Estrelo é só o início de várias outras tradições que podem surgir estimuladas por esse reconhecimento como Patrimônio Imaterial do Distrito Federal. É a prova cultural de que a utopia ainda mora em Brasília”, finaliza Tico Magalhães. 

Serviço – reunião aberta para votação

Data: 12 de março 

Local: Auditório do 2º andar da Biblioteca Nacional 

Horário: 10h