“Eu queria um filho, não uma gravidez”. A frase é da professora Taicy de Ávila Figueiredo, 48 anos, e resume a motivação que a levou a adotar o pequeno Samuel Lucas, quando ele ainda tinha 18 meses de vida. Hoje, aos 8 anos, o garoto é uma das milhares de crianças e adolescentes cujas vidas foram transformadas pela adoção – ato de amor celebrado neste sábado (25), quando se comemora o Dia Nacional da Adoção.
Taicy sempre sonhou em ter dois filhos. Ela já era mãe de Cauan, à época com 8 anos, contudo, em função da idade mais avançada, relata ter enfrentado dificuldades para engravidar pela segunda vez. “Me indicaram para fazer tratamentos, mas, além de muito onerosos, eram baixas as probabilidades de engravidar. Eu não estava disposta a fazer nada assim”, conta.
Partiu do marido a ideia de adotar uma criança. “Ele sugeriu da gente adotar e, na hora, eu concordei. Fomos atrás de uma amiga minha, que tinha recém-adotado a filha dela, e ela me indicou o Aconchego (Grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária). Foi quando a gente começou a frequentar as reuniões antes mesmo de entrar na fila para adoção”, detalha.
O Aconchego é uma organização da sociedade civil (OSC) dedicada a apoiar a convivência familiar e comunitária. Neste contexto, está inserido o processo de adoção. É por meio de grupos e encontros que os interessados se instruem a respeito de todo o trâmite que envolve o ato de adotar uma criança ou adolescente.
A professora conta que, um ano e meio após se habilitar no processo, veio a tão esperada ligação. “A gente demorou um ano para ser habilitado e, depois, foi mais um ano de espera na fila. Eu estava no supermercado quando me ligaram da Vara da Infância e da Juventude falando que tinha uma criança no perfil da gente. Falei para o meu marido: ‘Chegou nossa vez, é o nosso filho’”, narra.
Já para a funcionária pública Fabiani Fadel e o médico Rogério Vitiver o sonho do maternar sempre esteve presente na vida do casal. Após dez tentativas de fertilização, os dois resolveram entrar na fila de adoção e foi a ajuda e apoio do Aconchego que os ajudaram a aguardar o processo de espera até a chegada do filho Paulo. “Ficamos cinco anos na fila, éramos o casal 571 na lista, e o curso do Aconchego e todo o apoio psicológico nas reuniões foram fundamentais para esse período de espera. Pois utilizamos esse tempo para entender sobre o filho que queríamos e preparar a nossa vida para recebê-lo”, relata Fabiani.
Em maio de 2022, o então bebê Paulo Borin Vitiver, chegou aos 11 meses para o casal, que hoje considera que o amor construído com a vinda do filho compensa todo o período de espera. “É uma coisa muito louca, desde a primeira foto, já nos apaixonamos, me senti pai no primeiro momento que vi, é um amor que não tem explicação”, destaca Rogério.
O casal recomenda que as pessoas que pretendem ingressar em um processo de adoção entendam e tenham certeza do real motivo da decisão, para não frustrar a relação e, acima de tudo, as crianças. “Não é um ato de bondade, não é preencher um vazio ou achar que a criança vai salvar o casamento. Os desafios são diários, é uma mudança na vida, mas os ganhos são infinitamente maiores. Hoje ainda frequentamos o Aconchego levando nossa experiência e falando sobre os desafios como pais”, completa o médico.
Família acolhedora
Na capital, o processo de adoção de crianças e adolescentes conta com um importante aliado: o programa Família Acolhedora. A iniciativa visa oferecer abrigo temporário para os pequenos em situação de vulnerabilidade e é uma das apostas do Governo do Distrito Federal (GDF) para garantir uma acolhida mais personalizada e rica em amor para os pequenos que precisaram ser afastados de seus lares originais.
Nem todas as crianças participantes do programa são direcionadas para a adoção. Muitas retornam para os pais de origem ou são encaminhadas para a tutela de outros familiares. No entanto, o Família Acolhedora permite que os pequenos encontrem proteção, afeto e cuidado em um local sólido.
“Essa família participante vai ser uma referência afetiva para aquela criança enquanto ela estiver acolhida. Esse programa faz uma diferença muito grande na vida dessas crianças; elas se desenvolvem mais, criam vínculos e recuperam a segurança e confiança em um adulto”, afirma a presidente do Aconchego, Soraya Pereira.
Atualmente, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedes) tem dois termos de colaboração assinados justamente com o Grupo Aconchego. O primeiro, válido até outubro de 2024, prevê o atendimento de até 20 crianças com idade até 6 anos. Já o segundo, em vigor até 2028, oferece 45 vagas para a faixa que vai até 18 anos.
O tempo de acolhimento varia de caso a caso, mas a previsão legal é que não supere 18 meses. Nesse modelo, o vínculo é temporário e, diferentemente da adoção, tem caráter provisório e excepcional. Isso porque o objetivo final é a reintegração familiar ou, caso não seja possível, o encaminhamento a uma família substituta.
Como adotar
Atualmente, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), existem cerca de 33,5 mil crianças e adolescentes acolhidos; outros 5 mil aguardam na fila para adoção. Há 36,3 mil pretendentes disponíveis. No DF, são 77 jovens à espera de uma nova família e 467 pretendentes habilitados para adoção.
A legislação vigente define que o pretendente à adoção precisa iniciar o processo autuando petição de habilitação para adoção na 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF. No DF, todo o trâmite é acompanhado de perto pela Defensoria Pública. “Até mesmo antes da adoção, quando a criança precisa ir para o acolhimento institucional ou familiar ou quando pais e responsáveis nos procuram necessitando de orientação jurídica”, acrescenta Ana Maria Mendes Brandão, psicóloga jurídica do Núcleo de Assistência Jurídica da Infância e Juventude.
Para obter a habilitação, a pessoa interessada deve apresentar documentos, como atestado médico; comprovante de residência, comprovante de renda; nada consta criminal e certidão de casamento, união estável ou de nascimento, caso seja uma adoção por pai solo. É preciso, também, indicar três testemunhas a serem convocadas em uma eventual necessidade.
Entre as etapas do processo de acolhimento, uma das mais importantes é o preenchimento do perfil da criança almejada pelos futuros pais. “Nele, são descritas informações importantes como idade, condição de saúde, etnia, entre outras. É necessário para que a adoção esteja ao alcance dessa família, para que ela tenha condições de criar essa criança”, explica a servidora da Defensoria Pública.
“Não é só ir lá e escolher. A adoção cumpre propósitos de garantir o direito tanto das crianças quanto dos pais que desejam constituir uma família. É um compromisso de respeito, amor, carinho, cuidado, de dar condições para uma vida digna a essas crianças e adolescentes adotados que, em algum momento da vida, tiveram essas condições negadas, ainda que não de uma forma proposital”, completa.
GDF garante benefícios
No GDF, os servidores adotantes têm equidade e os direitos garantidos. Em 2022, o governador Ibaneis Rocha sancionou a Lei Complementar 1013, complementando o normativo 840 de dezembro de 2011, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos. Na LC, um dos benefícios resguardados é a licença maternidade/adoção ampliada. Além dos 120 dias concedidos pela Previdência Social, as mães têm direito a mais 60 dias pagos pelo governo para dedicação exclusiva à criança.
“Essas medidas são fundamentais para promover a inclusão e o bem-estar das crianças adotadas e das famílias adotantes, respeitando os princípios da igualdade e da dignidade humana. Dentre os direitos do servidor, temos a licença maternidade, a licença paternidade, o salário maternidade, a estabilidade no emprego, o direito à saúde, o direito à educação e o acompanhamento psicológico e social”, reforça o secretário executivo de Gestão Administrativa da Secretaria de Economia, Ângelo Roncalli.
Por Josiane Borges e Victor Fuzeira, da Agência Brasília | Edição: Saulo Moreno