30/09/2024 – 17:25 – Río de Janeiro
A tragédia vivida pelo estado do Rio Grande do Sul, que completa cinco meses no fim de setembro, evidenciou o quanto a humanidade está despreparada para atravessar os efeitos dos eventos climáticos extremos. Entre os diversos prejuízos causados por fortes chuvas e enchentes, esteve a interrupção dos serviços de energia: ao todo, 30 linhas de transmissão pararam de operar e 44 usinas, que correspondem a 10% do segmento de geração disponível no estado, foram afetadas.
De acordo com a Defesa Civil foram 469 municípios em baixo d’água e até 23 de maio 161 mil pessoas sem luz. A ocorrência também afetou o abastecimento de água, onde cerca de 500 mil pessoas foram prejudicadas, além de 48 cidades que ficaram sem serviços de telefonia. De acordo com o Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, o estado se caracteriza por ser uma área com grande disponibilidade de águas superficiais, ou seja, de grande acumulação hídrica, que associada a sua posição geográfica e ao El Niño, contribuiu significativamente para a proporção do evento.
Até o dia 04\06, dois meses depois do início das chuvas, ainda havia casos pontuais de interrupção no fornecimento de energia na região dos Vales do Rio Pardo e Taquari. A razão: dificuldade de acesso para reconstrução de redes por conta de grandes deslizamentos de encostas em estradas vicinais. Na mesma data, a RGE Sul Distribuidora de Energia S.A. (RGE Sul), responsável por atender 65% do estado já havia substituído 945 transformadores e trocado ou aprumado 6.834 postes nas áreas impactadas. Em seu pior momento a empresa afirma ter tido 72 cidades com o serviço interrompido.
No mês seguinte, até 10/07, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), seguia com 16 linhas de transmissão, 6 transformadores e 2 usinas fora de operação. Já em funcionamento, havia 19 linhas de transmissão, 8 transformadores e 2 usinas. Além disso, 6 linhas temporárias (uma de 525 kV e cinco de 230 kV) foram energizadas aproveitando trechos de linhas existentes, mas sem condição de operar em sua forma original. As vulnerabilidades que se revelaram durante os acontecimentos, estimularam discussões pelo país em torno de como avançar no tema da resiliência urbana diante de um cenário tão drástico.
Um desses debates ocorreu no evento “Reconstrução de cidades e Mudança Climática: Experiências Internacionais e Nacionais para o Rio Grande do Sul e o Brasil”, realizado em junho pelo Banco Nacional de Desenvolvimento -BNDES, no Rio de Janeiro.
O professor do Instituto de Pesquisas Hídricas da UFGRS e um dos palestrantes, Carlos Tucci, explicou que no caso do estado sulista é de extrema relevância priorizar zonas de alagamento para sua reconstrução. “Existem duas possibilidades, através de medidas estruturais, como diques e barragens, e não estruturais, como as zonas de inundação. Na grande maioria da bacia não é viável fazer obras estruturais [que buscam controlar a água], o mundo já não trabalha com essas medidas. As não estruturais [que respeitam o comportamento da natureza] são as mais sustentáveis e de longo prazo.”
Já neste mês de setembro, mesmo que numa escala menor que a de abril, o estado atravessa nova ocorrência de enchentes, agora com 52 municípios afetados e mais de 16 mil pessoas atingidas. A nova realidade impõe uma ampla revisão de projetos existentes e das regiões mais propícias a estes tipo de eventos.
Para Luiz Carlos Silva, coordenador do Centro Paulista de Estudos de Transição Energética, as medidas de mitigação e adaptação climática do setor elétrico passam pelo processo de se transformar a construção das cidades. “Não é possível reconstruir da mesma forma ou no mesmo local [no Rio Grande do Sul]. Agora deve-se levar muito mais em conta uma resiliência robusta. Com cautela quanto à medidas que poderão pressionar tarifas. O tema tem que fazer parte de um debate muito mais amplo com lideranças de estado, empresas e agentes do setor.” Conclui.