02/09/2025 – 09:01 – Rio de Janeiro
Discussões em torno do Curtailment (termo em inglês para cortes de geração renovável), e possíveis medidas para mitigar essas ocorrências ganharam destaque no setor elétrico brasileiro. Segundo artigo do portal Ensaio Energético, a região Nordeste, por exemplo, com maior presença de fonte eólica do país, foi a mais impactada com redução estimada em 500 MWmed no segundo semestre de 2024. O motivo: dificuldade para escoar toda a energia, de forma segura, produzida em julho, período de maior safra de ventos.
Ainda de acordo com o portal, o Curtailment não é algo novo, no entanto, a maior presença de fontes renováveis na geração de energia do país, como eólica e solar, se deu em ritmo acelerado nos últimos 5 anos – o país teve 75 GW agregados na geração, sendo 93% provenientes dessas fontes – impulsionadas principalmente por leilões. Esse estímulo resultou em mais usinas instaladas num período curto e por consequência um desequilíbrio entre demanda e oferta.
Para efetuar este ajuste, o Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS), precisa estabelecer uma limitação segura no transporte da carga, o que vem tendo maior ocorrência nos últimos anos e tem impactado negativamente agentes do setor, impondo por exemplo aumento progressivo de restrições e claro prejuízos.
Diante disso, uma das soluções possíveis pautadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) são os SEPs, Sistemas Especiais de Proteção. Combinados em diversos equipamentos e componentes, estes recursos estão dispostos de forma personalizada, em subestações de transmissão, distribuição e em usinas. Entre alguns exemplos de suas funcionalidades estão aliviar carga, fazer cortes de geração, permitir a inserção e retirada de equipamentos de tensão, o estabelecimento de carga, entre outras.
Segundo o ONS, o Brasil possui 416 SEPs, responsáveis pela segurança do sistema elétrico brasileiro. Porém, no momento presente, o SEPs podem contribuir para além disso. Projetados para atuar de forma preventiva em sistemas elétricos, podem contribuir na otimização do potencial natural do Brasil, contribuindo para otimizar o uso de seus recursos naturais e consequentemente reduzir a dependência de fontes não renováveis.
A título de exemplo, em boletim divulgado pelo ONS em julho deste ano, foram previstos o aproveitamento de 1.500 MW da região Nordeste, energia que poderia abastecer outras regiões em período de baixa geração nesta mesma época, como o Sudeste /Centro-Oeste. O ONS projetou um ganho de intercâmbio do Nordeste para o Sudeste/Centro-Oeste de até 900MW e o do Nordeste para o Norte de 600MW, no período noturno.
Segundo o ONS “O aprimoramento dos Sistemas Especiais de Proteção (SEP’s) contribui para ampliar a capacidade de intercâmbio entre os subsistemas e aumentar a flexibilidade operativa do SIN. Com isso, reduzem-se as restrições à geração no subsistema exportador, independentemente da fonte. No entanto, como as limitações mais frequentes afetam as fontes renováveis , especialmente no Nordeste, essas melhorias favorecem diretamente o escoamento dessa geração para as regiões Sudeste/Centro-Oeste e Norte, sobretudo em períodos de maior oferta, como ocorre com a fonte eólica durante o período seco. Dessa forma, os SEPs viabilizam um melhor aproveitamento da infraestrutura de transmissão e possibilitam a utilização da fonte de menor custo disponível, contribuindo, assim, para a redução da necessidade de acionamento de usinas termelétricas. A medida poderá também diminuir uma eventual necessidade de uso de termelétricas, já que é neste horário que atualmente há a maior necessidade de potência para atender a carga.”
Isso é relevante para o Brasil, principalmente por sua riqueza natural e dependência significativa de renováveis para a produção de energia elétrica. De acordo com o Balanço Energético da Empresa de Pesquisa Energética -EPE, em 2023 cerca de 89,2% da energia elétrica gerada no país vinha dessas fontes.
No entanto, este é o mesmo motivo pelo qual o Brasil deve ter cautela, na opinião do gerente de comissionamento da Siemens Energy, Thiago Angioletti Licio. A maior presença da energia solar e eólica, por exemplo, amplia significativamente o grau de complexidade no planejamento destes sistemas:
“[São necessários] SEPs cada vez mais complexos e com lógica adaptativa, integrados a tecnologias digitais, sistemas de armazenamento e controle dinâmico. [Em função disso, é importante uma] maior atenção ao controle de frequência [estabilidade na corrente elétrica de fontes] solares e eólicas, porque não possuem inércia eletromecânica natural [não são armazenáveis], como as hidrelétricas, [então] não contribuem para o amortecimento das oscilações de frequência em eventos rápidos”, afirma.
O apagão de agosto de 2023
Um exemplo disso é o apagão ocorrido no dia 15 de agosto de 2023. Conforme explicado em artigo do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), um importante critério de confiabilidade utilizado pelo SIN estabelece que não deve haver queda de fornecimento diante de falha em equipamentos ou mesmo interrompimento entre duas linhas de transmissão. Entretanto, o interrompimento em uma única linha causou a queda de 31% de fornecimento a nível nacional.
Após estudos, foi constatada que a queda ocorreu devido a uma superestimativa entre os parâmetros de operação em momentos de contingência, fornecidos por geradores dessas fontes, e do real comportamento do sistema. Em outras palavras, essas mesmas fontes não foram capazes de repor tão rapidamente a carga no momento do apagão.
Apesar do grande desafio de operar os mais de 170 mil km de linhas de transmissão e todo o SIN, o pesquisador e engenheiro do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Matheus Varela, destaca que o Brasil pode tem grande potencial de se tornar referência no tema, principalmente pela expertise em renováveis adquirida até o momento: “O Brasil tem um histórico técnico consolidado em SEPs aplicados a contingências severas. Agora, temos uma base sólida para avançar rumo à automação estratégica, especialmente em situações operativas repetitivas ou previsíveis. A adoção mais ampla e inteligente de SEPs pode posicionar o Brasil como referência em operação autônoma segura de sistemas elétricos — algo essencial em tempos de geração renovável intermitente, dinâmicas rápidas e necessidade de resposta quase em tempo real.”
Por enquanto, os novos rumos a serem tomados quanto ao tema se encontram em fase de análise no CMSE.