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22/02/2025 – 13:02 – Rio de Janeiro

No dia 31/01 deste ano, o presidente do EUA, Donald Trump, decretou taxas de 25% ao Canadá e México e 10% à China. Em resposta a Trump, o Estado chinês também taxou produtos dos EUA e, apesar da situação conflituosa entre as grandes potências, Walberto L. Oliveira Filho, advogado especialista na área de Energia, explica que o ocorrido pode se tornar uma grande oportunidade para o Brasil, a depender do planejamento a ser adotado daqui em diante.

De acordo com Oliveira, Brasil e China mantêm forte relação comercial, sendo a China, por exemplo, um relevante fornecedor de infraestruturas essenciais (como painéis solares, turbinas e baterias de íon-lítio) para a matriz elétrica brasileira, majoritariamente renovável.

Dados do relatório do Conselho Empresarial Brasil-China apontam que os investimentos chineses no Brasil somaram US$ 1,73 bilhão em 2023, um aumento de 33% em relação ao ano anterior. Dos 29 projetos confirmados, 72% tiveram como objetivo energias verdes e setores associados. 

Além desses segmentos, no setor de transmissão de energia, grande parte dos componentes eletrônicos e da infraestrutura também são importados do país asiático. Em outro aspecto,  há interesse crescente no lítio brasileiro, especialmente nas reservas do Vale do Jequitinhonha (MG). Isso, segundo ele, pode “motivar os chineses a ampliar seus investimentos no Brasil para evitar custos adicionais de importação desse mineral de outros mercados, como Austrália ou EUA.”

Oliveira pontua que o Brasil pode se beneficiar desse cenário ao atrair mais investimentos da China para mineração, infraestrutura energética e industrialização de baterias, tornando-se um polo estratégico na transição energética. “No Brasil há importantes representantes chinesas atuantes na transmissão, geração e distribuição de energia, como a State Grid, a CPFL e a China Three Gorges. Esses investimentos são vantajosos para o país e para a captação de capital estrangeiro, fortalecendo o desenvolvimento do setor.”

Maior convivência e possíveis riscos de uma dependência comercial

Também há riscos inerentes a essa crescente relação com a China, onde o Brasil pode se tornar vulnerável a impactos das tarifas impostas por outras potências, como os EUA. O tarifaço de Trump é um exemplo da importância e necessidade de que o Brasil reflita sobre seus parceiros e que adote políticas de desenvolvimento efetivas, com metas concretas, para além dos mandatos de quatro anos. Essas políticas também se refletirão positiva ou negativamente no setor elétrico brasileiro.

Walberto reforça que o Brasil deve se comprometer com seu crescimento e desenvolvimento.“Num cenário de maior atrito comercial ou sanções mais rigorosas poderia forçar o país a se reposicionar geoeconomicamente, alinhando-se a interesses de blocos como EUA e União Europeia, o que poderia gerar impactos na balança comercial.” 

Para ele, o Brasil pode se posicionar como um protagonista na transição energética global. “Um caminho possível é de se aumentarem os esforços em torno da indústria de energia, como desenvolver tecnologia própria para armazenamento, componentes eletrônicos e infraestrutura de transmissão. Porém é preciso adotar uma estratégia equilibrada, buscando diversificar suas parcerias comerciais e fortalecer sua indústria nacional, ” conclui.

Entre as iniciativas em vigor, há a Nova Indústria Brasil – NIB, política que completou um ano recentemente. O Governo Federal anunciou em dezembro do ano passado o montante de R$ 88,3 bi destinados à missão 5, que tem como foco a bioeconomia, descarbonização, transição e segurança energética. Desse valor, 74,1 bilhões já foram contratados entre os anos de 2023 e 2024. Os R$ 14 bilhões restantes são destinados para o biênio de 2025 e 2026. No âmbito dos investimentos privados, foram contratados R$ 380,1 bilhões até 2029 e no setor produtivo, R$2,2 trilhões. A iniciativa soma o total de 468,38 bilhões aos setores voltados a energia no Brasil.

Além da NIB, também há outras medidas em andamento, como o Programa Mais Inovação, voltado ao fomento e desenvolvimento de tecnologias ao agronegócio. Ontem (21/02), o programa assinou contrato de R$ 521 milhões em PD&I com a empresa alemã Bosch para investimento na implantação de um Centro de Competência Global Bosch.

Para a  professora da University College London, Mariana Mazzucato, em seu artigo no Valor Econômico, a NIB, tem significativo potencial de transformar o cenário de desvantagem tecnológica do Brasil em uma era economicamente positiva. Segundo ela: “essa estratégia  poderia ajudar a estimular o investimento das empresas em inovação, que no Brasil é historicamente baixo, para enfrentar problemas estruturais como a dependência em relação à agricultura e aos recursos naturais, contribuindo para que a produção suba degraus na cadeia de valor e catalisar um ecossistema mais competitivo em torno aos serviços digitais, que por sua vez poderia sustentar cadeias de abastecimento mais verdes.” 

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Mas porque o Brasil enfrenta tantas dificuldades para se industrializar? 

Essa é uma pergunta complexa, entretanto há estudos que discutem algumas respostas. Um deles é pesquisa “O setor Industrial Brasileiro: Desafios e Oportunidades”, da Doutora em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria, Mygre Lopes da Silva. A administradora traz uma abordagem sob a ótica de mercado e aponta que o problema se baseia em dois fatores: os estruturais e sistêmicos. No primeiro caso, aqueles que são  indiretamente controlados das firmas, influenciados por elas de alguma forma. Um exemplo é o comportamento do mercado consumidor. “Entre os fatores estruturais, destacam-se o comportamento inovativo modesto (pouca inovação) e o crescimento do custo unitário do trabalho, devido à redução da produtividade e ao aumento do salário médio real (encarecimento da mão de obra).” 

Já entre os fatores sistêmicos que são subordinados “a ordenação macroeconômica, a infraestrutura e o sistema político-institucional nacional e internacional”, a realidade externa às empresas, a maior apreciação cambial e a “fragilidade da inserção externa dos produtos industriais brasileiros, especialmente de alta e média intensidade tecnológica” exemplificam as principais motivações para essa dificuldade. 

O que o Brasil pode aprender com a China?

O estado chinês iniciou sua jornada como grande potência da atualidade entre os anos de 1970 e 1980, tecendo estratégias que centralizaram objetivos e metas visando o desenvolvimento do país com prazos bem definidos. Através da “política de portas abertas” por exemplo, houve maior abertura ao comércio exterior, e, por consequência, transformações tecnológicas e industriais. Em outras palavras, a China abriu seu mercado e utilizou esse capital estrangeiro para crescimento interno. Segundo o geógrafo Jonathan Christian Dias, em 2022 o país alcançou um PIB de US$ 18 trilhões, enquanto nos anos 2000 era de apenas  US$ 1 trilhão.

No artigo, de Angelita Matos Souza, Relações Brasil-China: Imperialismo, dependência e desconexão, a autora explica que a política nacional não seguiu exatamente esse exemplo, mesmo nos anos 1990, quando estava em maior vantagem nesse sentido. As dívidas contraídas no período militar, que atingiram sua crise em 1980, levaram o Brasil “a processos de renegociação dos anos 1990 e à capitulação dos governos Itamar e FHC aos ditames das finanças internacionais. Os governos de Lula, ao manterem as diretrizes da política macroeconômica dos governos FHC, seguramente perderam a oportunidade da aprovação popular para tentar uma inversão de rota. Assim, se não há propriamente desindustrialização nos governos Lula, também não há crescimento industrial relevante, sendo neste período”. Mesma época que se deu o estreitamento das relações com a China, o que segundo Angelita, “sem dúvida, prejudicou a indústria brasileira.” 

Angelita conclui em seu artigo que não se sabe ao certo o motivo principal que fez o país perder o compasso no desenvolvimento, mas que precisa adotar estratégias de até maior aproximação com China, galgando um caminho semelhante e onde, de fato, esse estreitamento retorne ao Brasil em conhecimento para seu avanço e não apenas a manutenção da relação que já existe.

Energia elétrica está no topo da lista de investimentos chineses

De acordo com dados do relatório do Conselho Empresarial Brasil China, a partir de 2023, 9 dos 10 principais receptores de aportes da China no mundo foram nações em desenvolvimento. O Brasil foi o quarto. Entre os anos de 2007 e 2023, somou o total de US$ 73,3 bilhões de capital chinês, com destaque para o acelerado crescimento de investimentos entre 2022 e 2023, que corresponderam de 27% para 88% neste último ano. O Brasil é o único país em desenvolvimento dentre os cinco maiores receptores de capital produtivo chinês no mundo. 

“Esse cenário pode ser entendido como reflexo da “guerra comercial” entre Estados Unidos e China que eclodiu em 2018 – segundo ano do governo do Presidente Donald Trump – e deflagrou uma série de tarifas comerciais entre os dois países e, posteriormente, evoluiu para a imposição de dificuldades ao ingresso de investimentos chineses em território americano.” Explica o relatório sobre ocasião bem semelhante ao ocorrido no final de janeiro deste ano. 

O setor de eletricidade brasileiro liderou a atração de investimentos chineses em 2023, com iniciativas nos segmentos eólico, solar e hidrelétrico que somaram US$ 668 milhões. Os maiores valores aportados foram registrados entre 2015 e 2017, fase em que também houve investimentos vultosos pela State Grid, atuante na construção do linhão de transmissão da usina de Belo Monte, e da China Three Gorges, ao adquirir um conjunto de hidrelétricas nesse período.

Em segundo lugar, vem o setor automotivo, com 33% do valor aportado. Foram atraídos US$ 568 milhões em investimentos, 56% a mais do que no ano de 2022. Houve o impulsionamento de investimentos pela GWM (Great Wall Motors) em sua fábrica localizada em Iracemápolis, interior de São Paulo, e pela BYD, que ocupou o antigo complexo industrial da Ford em Camaçari, na Bahia. O objetivo foi produzir veículos elétricos e híbridos e processar lítio e ferro fosfato. Desde o ano de 2021, todos os projetos chineses neste último segmento foram direcionados a veículos 100% elétricos ou híbridos.

O Brasil tem, nesse momento, uma grande chance de mostrar seu potencial de protagonismo na transição energética, traçando um caminho que também se direcione a levar sua nação para o próximo nível, onde seja essa a maior beneficiária dos desdobramentos positivos atrelados a investimentos em desenvolvimento e tecnologia. A título de exemplo, a ampliação de mão de obra qualificada, bem como a retenção dos profissionais e um planejamento a ser seguido nas próximas décadas, independente da gestão. Tudo isso associado a valores e objetivos onde a indústria e a sociedade se identifiquem, mesmo em sua imensa diversidade.