Tribunal rejeita argumento de marido que alegava desconhecer transtornos mentais da esposa antes do matrimônio
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) negou o pedido de anulação de casamento feito por um homem que alegava ter contraído matrimônio sem saber que a esposa possuía transtornos mentais. A decisão gerou debates sobre a autonomia das mulheres, a estigmatização da saúde mental e o machismo estrutural presente em argumentos que tratam a mulher como um fardo dentro da relação conjugal.
A equipe do Imprensa Brasília entrevistou as advogadas que atuaram na defesa da esposa no processo. Por se tratar de uma ação que tramita em segredo de justiça, os nomes das partes envolvidas foram preservados.
Para a advogada Cristina Aragão, a decisão do tribunal foi acertada e representa um avanço na compreensão dos princípios jurídicos que regem o casamento e a dignidade da pessoa humana. Segundo ela, o caso evidencia como o machismo estrutural ainda influencia as relações conjugais.
“O que vemos aqui é um claro exemplo de como o machismo estrutural tenta perpetuar a ideia de que a mulher, especialmente aquela com alguma condição de saúde mental, é um ‘fardo’ ou um ‘objeto’ que pode ser descartado quando não atende às expectativas do homem. O marido buscou a anulação do casamento sob a alegação de que não sabia da doença da esposa, como se isso fosse um defeito que invalidasse o compromisso assumido. Isso é profundamente machista e desconsidera a autonomia e a humanidade da mulher”, declarou.
A advogada Flávia Ramos complementa a análise ao destacar como a tentativa de anulação se baseia em uma visão patriarcal da mulher dentro do casamento.
“O machismo estrutural está presente na ideia de que o homem tem o direito de anular um casamento porque a esposa não corresponde a um ideal de ‘perfeição’ que ele imaginava. A depressão e a ansiedade da esposa foram usadas como justificativa para tentar desfazer o vínculo matrimonial, como se ela fosse menos digna de amor, respeito e compromisso por causa de sua condição. Isso reflete uma visão patriarcal que coloca a mulher em uma posição de inferioridade, como se o casamento fosse um contrato que só vale se a mulher estiver ‘em perfeitas condições’. Além disso, há uma culpabilização implícita da mulher por não ter revelado sua condição, como se ela tivesse a obrigação de se justificar ou se explicar para ser aceita”, afirmou.
A decisão do TJGO reforça que o casamento deve ser baseado no respeito mútuo e na igualdade entre os cônjuges. Para Cristina Aragão, a decisão é um marco na luta contra práticas que reforçam a discriminação de mulheres no âmbito jurídico.
“A decisão do Tribunal foi um importante passo no sentido de reforçar que o casamento é uma instituição baseada no respeito mútuo, na igualdade e na dignidade de ambos os cônjuges. Ao negar a anulação, o Tribunal está dizendo que a doença mental de uma pessoa não a torna menos digna de estar em um relacionamento matrimonial. Isso é uma mensagem poderosa contra o machismo estrutural, que frequentemente marginaliza e estigmatiza mulheres com condições de saúde mental. A decisão também reforça que o casamento não é um contrato que pode ser anulado por conveniência, mas um compromisso que deve ser levado a sério, independentemente das circunstâncias”, pontuou.
Já Flávia Ramos destacou o papel do Judiciário na desconstrução de práticas e ideias machistas que ainda permeiam a sociedade.
“Cada decisão judicial que reconhece e combate o machismo estrutural é um precedente importante para futuros casos. A Justiça tem um papel fundamental na desconstrução de práticas e ideias machistas que ainda permeiam nossa sociedade. Quando o Tribunal nega uma anulação com base em argumentos que claramente refletem o machismo, está enviando uma mensagem clara de que tais práticas não serão toleradas. Isso pode encorajar outras mulheres a buscarem seus direitos e a questionarem situações de injustiça e desigualdade”, analisou.
As advogadas aproveitaram a oportunidade para deixar uma mensagem de apoio às mulheres que possam estar em situações semelhantes e temam ser julgadas por sua condição de saúde mental.
“Eu diria que elas não estão sozinhas e que a lei está do lado delas. A saúde mental não é uma falha ou um defeito, mas uma condição que faz parte da vida de muitas pessoas. Ninguém deve ser julgado ou marginalizado por isso”, afirmou Cristina Aragão.
“É importante que as mulheres saibam que têm o direito de viver com dignidade, respeito e amor, independentemente de qualquer condição de saúde. E que, se necessário, podem contar com o sistema de Justiça para proteger seus direitos. A luta contra o machismo estrutural é contínua, mas cada vitória, como a que tivemos neste caso, é um passo adiante na construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, concluiu Flávia Ramos.
A decisão do TJGO, ao negar a anulação do casamento, reforça que transtornos mentais não podem ser usados como pretexto para invalidar um compromisso conjugal. O caso evidencia a necessidade de avançar na desconstrução de paradigmas machistas e fortalecer o reconhecimento da dignidade das mulheres no casamento e na sociedade.
Flávia Adriana Ramos e Cristina Maria de Morais Aragão são advogadas sócias e fundadoras do Escritório Aragão & Ramos Advocacia e Consultoria, @escritoriocfadvocacia.
