Por Rochelly Costa, jornalista e mãe de Lucas e Luísa

No dia 21 de julho, nasceu Luísa — minha segunda filha e minha segunda experiência com amamentação. Embora eu já tivesse amamentado Lucas, que nasceu em 2010, cada jornada é singular. Lucas mamava em abundância e meu leite desceu com força no 10º dia, quase como uma enxurrada que parecia inesgotável.

Mas com Luísa, 15 anos depois, descobri que a maternidade não se repete — ela se reinventa. A produção de leite foi visivelmente menor, o fluxo menos intenso, o peito mais comedido. Isso me assustou no início. O medo de não alimentar minha filha adequadamente me invadiu, e essa ansiedade acabou dificultando nossas primeiras mamadas. Mas com paciência, informação e apoio, entendi que quantidade não define qualidade — e que cada gota, mesmo mais contida, carrega todos os nutrientes e anticorpos que minha filha precisa.

Amamentar vai muito além da alimentação. É o primeiro elo entre mãe e bebê — um laço fisiológico, emocional e simbólico que marca o início da vida fora do útero. A mãe é o porto seguro, o intérprete das necessidades e a ponte para o mundo externo. E o peito, mais do que fonte de nutrientes, é o abrigo onde o bebê encontra calor, ritmo cardíaco conhecido, cheiro familiar e conforto absoluto.

Uma travessia de afeto e superação

Logo após o parto, permaneci um dia a mais na maternidade. Luísa tinha dificuldades na pega: sua boquinha ainda era muito pequena, e apesar do reflexo de sucção, não conseguia mamar sem me machucar. O bico do peito ficou ferido, e foi doloroso. Mas ali entrou em cena o papel fundamental das enfermeiras do banco de leite — mulheres atenciosas, técnicas e profundamente humanas, que nos orientaram, acalmaram e ensinaram. Elas não apenas cuidam de bebês — elas cuidam de mães em processo de renascimento.

Essas profissionais foram essenciais para mim e para tantos outros pais que se deparam com o novo. Porque amamentar é mais do que alimentar — é descobrir, insistir, errar, tentar de novo.

O aleitamento materno é política pública de saúde

De acordo com a OMS e o UNICEF, o aleitamento materno é uma das ações mais eficazes na promoção da saúde pública. A amamentação deve começar na primeira hora após o parto, ser exclusiva até os seis meses e continuar, com introdução alimentar adequada, até os dois anos ou mais.

A importância da amamentação para o bebê como vínculo com o mundo

Nos primeiros meses de vida, o bebê ainda está se adaptando à existência fora do ventre. Tudo é novo: luz, sons, temperaturas, sensações. Nesse cenário instável, a mãe é o referencial de segurança, e o ato de mamar é um ritual que acalma, organiza e oferece sentido.

Benefícios emocionais e de vínculo:

  • Estímulo ao apego seguro e ao vínculo afetivo
  • Regulação emocional (redução de estresse e ansiedade do bebê)
  • Consolidação da confiança básica: o bebê aprende que suas necessidades serão atendidas
  • Contato pele a pele essencial para o desenvolvimento neurossensorial
  • Estímulo à percepção do corpo, do cheiro e da voz da mãe

Além disso, a amamentação fortalece o sistema nervoso e imunológico, oferecendo tudo que o bebê precisa para crescer saudável e protegido.

Tabela de benefícios do aleitamento materno

PúblicoBenefícios
Bebês– Proteção contra infecções (diarreia, otite, pneumonia, etc.)
– Prevenção de obesidade, diabetes tipo 1 e doenças alérgicas
– Estímulo ao desenvolvimento cognitivo e emocional
– Menor risco de morte súbita (SIDS)
– Crescimento mais equilibrado e saudável
Mães– Redução do risco de câncer de mama e ovário
– Prevenção da hipertensão e diabetes tipo 2
– Recuperação pós-parto mais rápida
– Fortalecimento do vínculo afetivo com o bebê
Sociedade– Diminuição dos custos com saúde pública
– Menor internação hospitalar de bebês
– Promoção da equidade social e nutricional

Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS) e UNICEF

O aleitamento como experiência transformadora para a mãe

Muitas mães relatam que amamentar é também um processo de autoconhecimento — de paciência, resiliência e redescoberta do próprio corpo. Não há uma regra universal: cada mulher amamenta à sua maneira, com suas condições físicas, emocionais e sociais.

Medo, insegurança e dor fazem parte do início, mas com apoio correto e escuta ativa, a mulher se transforma em fonte inesgotável de força e cuidado. Consultoras de amamentação, bancos de leite e redes de apoio são fundamentais para sustentar essa jornada.

O papel da ocitocina: o hormônio do amor

Durante a amamentação, o corpo libera ocitocina, substância que:

  • Estimula a ejeção do leite
  • Promove sentimentos de prazer e vínculo
  • Reduz o estresse materno
  • Fortalece o apego entre mãe e bebê

Esse hormônio atua como um elo invisível que enlaça os corpos e corações, criando uma linguagem silenciosa de cuidado.

O poder do colostro — o “primeiro leite”

Nos primeiros dias, o bebê recebe o colostro, substância riquíssima em anticorpos, fácil de ser digerida e ideal para estimular o intestino e o sistema imunológico. É considerado a primeira vacina natural — e seu valor é imenso, mesmo que em pequenas quantidades.

A pressa e o mito da fórmula

Infelizmente, muitas mães acabam cedendo à fórmula diante do choro do bebê ou da insegurança nos primeiros dias. Mas é importante saber que:

  • Fórmulas reduzem o estímulo à produção de leite materno
  • Podem aumentar risco de alergias, infecções e alterações gastrointestinais
  • Contribuem menos para o vínculo afetivo que se fortalece no peito
  • Não oferecem os anticorpos naturais que só o leite humano proporciona

O choro do recém-nascido nem sempre é sinal de fome — pode ser frio, desconforto, necessidade de colo. A orientação correta é fundamental, e o papel dos bancos de leite e consultoras de amamentação é vital nessa etapa.

Alimentação e emocional: tudo conta

Para manter uma boa produção de leite, é preciso cuidar da alimentação da mãe:

  • Proteínas (ovo, frango, leguminosas)
  • Frutas e verduras variadas
  • Hidratação constante
  • Gorduras saudáveis (abacate, azeite)
  • Evitar estresse, culpa e exaustão

O estado emocional da mãe interfere diretamente na liberação de ocitocina — o hormônio do amor e da ejeção do leite. Quando acolhida e apoiada, a mulher amamenta com mais fluidez e confiança.

Hoje, quando olho para Luísa nos meus braços, penso: o leite pode ter chegado diferente. Mas o amor é o mesmo. E talvez mais profundo, porque agora carrega também a maturidade da jornada.

Que cada mãe receba apoio. Que cada bebê receba leite — e com ele, afeto. Que a sociedade entenda que amamentar é construir saúde com as próprias mãos.

Nova lei no Distrito Federal valoriza doadoras de leite materno com isenção em concursos públicos

Fechando com chave de ouro, o Distrito Federal acaba de dar um passo importante no reconhecimento do papel das mulheres que doam leite materno. Em junho de 2025, foi sancionada a Lei nº 7.711/25, que garante isenção da taxa de inscrição em concursos públicos do GDF para mulheres que comprovarem doações regulares aos bancos de leite humano2.

O que diz a nova lei?

Para ter direito à isenção, a candidata deve:

  • Ter feito pelo menos duas doações por mês, durante três meses consecutivos
  • As doações devem ter ocorrido nos últimos três anos antes da inscrição no concurso
  • A comprovação será detalhada nos editais dos concursos públicos do GDF

Essa medida é válida para todos os certames realizados pelo Governo do Distrito Federal, e representa uma forma de reconhecimento e incentivo à doação de leite humano — um ato que salva vidas, especialmente de bebês prematuros e com baixo peso.

Por que isso importa?

Segundo dados do Banco de Leite Humano do DF:

  • Em 2024, 6.625 mulheres foram doadoras
  • Em 2025, até maio, já são 2.613 doadoras

A expectativa é que a nova lei aumente esse número, estimulando mais mulheres a contribuírem com esse gesto de solidariedade. Como destaca a coordenadora das Políticas de Aleitamento Materno do DF, Mariane Curado, “é uma forma de valorizar quem doa. A mulher amamenta o próprio bebê e ainda consegue apoiar outros que precisam do leite materno”.

Essa iniciativa reforça que amamentar e doar leite humano são atos de cidadania e saúde pública. E quando o Estado reconhece esse esforço, ele fortalece não só os bancos de leite, mas também a rede de apoio às mães e aos bebês que mais precisam.